A linha do tempo, as épocas humanas
Estão contadas em voz de fogo e pedra
A palavra metal, de origem grega, significa procurar, sondar
Tangendo milênios de conquistas e descobertas.
Na natureza estão puros o ouro, prata, platina, mercúrio, o cobre
Os demais minérios eram a princípio mistérios oxidados
Como bauxita e hematita que purificados são o alumínio e o ferro.
Na fogueira de 10000 anos atrás o estanho e o chumbo
São os metais macios que prenunciaram a Idade do Cobre
A primeira das idades metálicas que sucedeu a da Pedra Polida.
Nos fornos de 6000 a.C. surgem de cobre ferramentas e armas
E a idéia da metalurgia, na Pérsia, Turquia, Mesopotâmia.
O cobre mais o estanho inauguram a Idade do Bronze em 2000 a.C.
Armaduras, lanças, lutas, Odisséia, Ilíada e guerreiros.
Os dois metais fazem história e em 1500 a.C. começam a faltar.
Inicia-se aí a Idade do Ferro, uma nova etapa, o segundo milênio.
A hematita e a pirita em alta temperatura fazem o ferro
Que não mais vindo só dos meteoros, cruza a Idade Media até
A época gótica, e a renascença nas forjas dos monges e artesãos.
O ferro combinado ao carbono em baixas porcentagens faz o Aço.
E a partir do ferro gusa que é minério de ferro, carvão e calcário
Fundidos em alto forno, iniciamos em 1855 na Inglaterra
A produzir aço em larga escala, começa a Idade do Aço,
A era em que vivemos.
Naqueles meados do século XIX o mundo estava realmente mudando.
Máquinas, estações, indústrias, ferrovias, motores, operários
Reinventavam a história onde o ferro é o principal protagonista.
Os motores e os combustíveis fósseis passam a ser usados em escala,
Os antigos ciclos regenerativos da natureza são rompidos
A vida se transforma com a visão de um progresso ilimitado.
A nova lógica construtiva baseada na economia dos meios
Parece retomar o período gótico (1) e a ênfase na geometria estrutural.
O novo otimismo, deslumbramento e espanto se revelavam
Nas feiras universais, fábricas, pontes e gares ferroviárias
Construindo novas metrópoles, New York, Londres, Berlin
E obras simbólicas, Crystal Palace (2),Torre Eiffel (3), Brooklyn Bridge (4),
Cantado nas odes de Manhattan, de Mayakovski e Lorca
Refletidos nas passagens parisienses do filósofo Benjamin.
Tempos de mudança que chegam ao século XX cheios de força
E inventam a arquitetura moderna eliminando excessos,
Buscando essências, a casa máquina, o espírito novo.
A idéia do Less is More está presente nos projetos de Mies van der Rohe (5)
Numa perspectiva cultural e de industrialização da construção,
E nas obras de Buckminster Fuller (6) numa busca da máxima leveza
E das lições da natureza que podem inspirar o engenho humano.
Legados que vêm sendo interpretados e traduzidos desde então
Por arquitetos e construtores de todas as partes do planeta
No Brasil muitas obras tradicionais já praticavam a estrutura livre:
A oca do índio Xingu (7), as cabanas simples de pau a pique,
As casas em chapa metálica da Amazônia, a arquitetura colonial (8).
Também tivemos nossas primeiras estações em ferro fundido (9),
Ferrovias, indústrias, teatros, grandes vãos, pontes…
A arquitetura moderna brasileira, hábil no uso do concreto armado,
E que deslumbrou o mundo nos meados do século XX,
Teve também obras em aço com conceitos e imagens próprias.
Estruturas metálicas estão presentes na construção de Brasília,
E a partir de então passa para nossa história recente em obras como
As de Niemeyer (10), Lúcio Costa (11), Sérgio Bernardes (12), Éolo Maia (13).
Contemporaneamente o aço ganha força em novas questões,
Num momento em que a Terra se preocupa mais do que nunca
Com sua saúde, futuro, sobrevivência e sustentabilidade,
A construção metálica aparece como alternativa coerente que
Facilita a leveza, o transporte, a desmontagem e a reciclagem.
As jazidas, parques siderúrgicos e uma recente tradição construtiva
Fazem do aço uma importante inspiração para a arquitetura nacional.
Novas experiências e autores notáveis surgem a cada dia
Revelando as múltiplas possibilidades e sistemas do material.
A obra de João Filgueiras Lima, o Lelé (14), é um ótimo exemplo
De como a tecnologia e a cultura brasileira podem dar à atualidade
Uma mostra de sua vitalidade, espírito criativo e ecológico.
O presente e o futuro são mais do que nunca um desafio
Nas diversas possibilidades que assinalam aos arquitetos
Através das responsabilidades que colocam em nossas mãos.
As obras apresentadas no livro Steel Life
São a parte metálica da nossa produção arquitetônica.
Em Minas Gerais o ferro que está nas montanhas,
A produção siderúrgica e o pensamento de diversos profissionais
Acabam por nos contaminar com esta poesia metálica
E gerar oportunidades de trabalho e reflexão.
Os projetos e obras aqui apresentados foram divididos
Em função das relações principais que têm com o aço e seu uso.
Então as EC ou Estruturas Completas são obras que adotam
O metal como elemento único e principal de sustentação
Resultando produto conceitual e esteticamente alinhado a esta opção.
As EH ou Estruturas Híbridas são os projetos que conjugam
A construção metálica à construção em alvenaria
Respondendo às demandas de cada setor dos edifícios.
Nestes casos os elementos em aço estão localizados
Onde as transparências e leveza são mais necessárias.
AC ou Aço Cidadão são as situações onde o aço
Gera situações comunitárias de integração e uso público
Participando como um dos agentes da dinâmica urbana
Ou como delineador do cenário de transformações sociais.
Os AA ou Aços Artísticos são os casos onde o material
Define um objeto, não necessariamente arquitetônico
Mas que participa como elemento escultórico e espacial
Que qualifica com surpresa e cultura determinado ambiente.
Estes projetos e obras respondem a diferentes demandas,
Vindas do cliente particular, podendo ser indivíduo ou empresa,
Ou então solicitações públicas onde uma administração urbana
Gera e contrata uma situação projetual à qual respondemos.
Existem ainda os concursos de arquitetura e pesquisas acadêmicas
Que são situações voluntárias em que nos envolvemos
E podemos investigar elementos ainda não experimentados.
E existem ainda as situações de trabalho em que nos lançamos
Sem nenhuma demanda ou necessidade, pelo prazer de fazer,
Ou pelo amplo significado do ofício que é a Arquitetura,
Ou para simplesmente mantermos acesa a chama
Até que apareça um novo problema que ajudaremos a resolver.
Agora no século XXI, nesta nova etapa da Era do Aço
Num paralelo entre arte e construção de um novo tempo
Devemos recusar a Natureza Morta, ou Still Life
E com este material da contemporaneidade buscar a vida
Nas experiências e trabalhos em curso desta Steel Life.
Texto de apresentação do livro Steel Life: arquiteturas em aço, de João Diniz
Editora JJCarol, São Paulo 2010